quinta-feira, 15 de outubro de 2009

A Sombra Que Me Seguia

Caros leitores,

Depois de três lançamentos – em cidades diferentes e com pessoas bem diferentes – queremos aproveitar este espaço para trocar impressões sobre os contos. Publicaremos trechos das histórias que estão no livro A Sombra Que Me Seguia e contamos com a participação de vocês.

Para começar essa nova fase do blog, vamos publicar na íntegra o conto que inspirou o título e a capa do livro.

Boa leitura! E não deixem de comentar!

A sombra que me seguia não era a dela

Tanto faz agora. Está mesmo terminado. Ela não se importa, isso é o que importa. o meu corpo é inerte. Nem som. Nem ar.

Nada sinto. Como se todo fluxo de vida parasse apenas para me assistir, aqui: uma sombra. Sou a sombra de mim mesmo. E penso. Penso que, mesmo com os fantasmas da escuridão rindo-se de mim loucos para me tirar o último suspiro de luz, posso fingir. Fingir que há música. Uma única música. Finjo que há outra sombra. Uma sombra que me segue - a sombra dela que, sei, me persegue. Penso que posso deixá-la se aproximar. Finjo que deixo. E ela vem.

Finjo que a vejo me rodear, como um espectro. Como se me testasse, se me tentasse. Dou um passo à frente, como quem não quer, e se quer inerte. Viro de costas, mas consigo ver sua sombra, atrás de mim. Ela me provoca, me impregna de sua presença. Faz um rodamoinho de sua própria sombra e mistura a minha na dela, não há como evitar. A minha sombra na sombra dela. E a música toca. Um bailado, numa semi-escuridão fluida. Enfim, ela me toca. As costas da sua mão encostam-se às costas da minha. Eu sinto. Finjo.

E minha mão, algo além do meu próprio corpo, acompanha a sombra da mão dela, talvez nem seja ela, não sei mais. Quero que seja. Sua cabeça está próxima ao meu pescoço, sinto o ar que ela expira. Sinto seu perfume. Cítrico. Sinto todo seu corpo próximo ao meu. Sinto seus seios roçarem meu peito, um calor de mulher sopra na direção do meu rosto, de baixo para cima, de trás para frente, subindo pelas minhas costas, contornando meu corpo. Viro-me, ela me persegue num movimento só, ensaiado.

Vejo a sombra de nós dois. Somos um rodamoinho de sombras, nos envolvendo, possuídos de nós mesmos, seguindo a música. Uma única música. O ar existe, o som existe. Tudo pleno, em um sopro. Em uma música apenas. Finjo que recuso. A sombra não pode ser ela. Está tudo terminado. Ela não se importa. A sombra é minha própria sombra que me segue, para sempre. Finjo.

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